Por Daniel Sangiorgi Salles, engenheiro e diretor da DHLink Sistemas
1. O canteiro está ativo, mas os sinais de alerta são claros
O Brasil vive um novo ciclo de obras. O setor da construção civil retomou o ritmo com força após os anos mais críticos da pandemia, impulsionado principalmente pela expansão imobiliária nas grandes cidades e interiorização de investimentos logísticos.
No entanto, o retorno acelerado da demanda revelou um gargalo que já se desenhava há pelo menos uma década: a dificuldade de encontrar profissionais técnicos capacitados, disponíveis e alinhados com os padrões que as obras modernas exigem.
Segundo a Sondagem da Construção do FGV IBRE (2024), 71,2% das empresas relataram dificuldades na contratação de mão de obra qualificada, sendo que 39% classificaram o problema como “grande”.
Entre os setores mais afetados, destacam-se instalações prediais elétricas e hidráulicas, estruturas metálicas, acabamento técnico e automação justamente os pontos mais críticos para manter o cronograma e a qualidade da entrega.
2. Soluções emergenciais que apenas contêm a crise
Diante dessa escassez, a maioria das empresas optou por medidas imediatas: reajuste salarial, aceleração de contratações e aumento do treinamento em campo. O INCC-DI (Índice Nacional de Custo da Construção) registrou aumento de 7,26% nos custos com mão de obra até junho de 2024, superando o próprio IPCA no mesmo período.
Ou seja, os custos aumentaram para manter a operação funcionando, mas isso não necessariamente refletiu em maior produtividade ou eficiência nos canteiros.
3. A raiz estrutural: um modelo de obra que ainda improvisa mais do que projeta
A discussão sobre escassez, apesar de urgente, ainda encobre uma questão estrutural mais profunda: o modelo de produção das obras brasileiras é, em grande parte, arcaico, pouco padronizado e com baixíssimo grau de industrialização. Em pleno 2025, ainda operamos majoritariamente com sistemas construtivos artesanais, processos sem rastreabilidade, projetos fragmentados e baixa integração entre disciplinas e etapas.
Essa forma de operar pressiona o canteiro a compensar falhas estruturais com mais esforço humano, mais tempo, mais refações e mais improviso. E em um cenário de escassez técnica, esse modelo simplesmente não se sustenta mais.
4. O impacto direto nas etapas críticas da obra
A DHLink atua em etapas sensíveis como infraestrutura elétrica, hidráulica, incêndio, sistemas especiais, automação e supervisão predial. Nessas frentes, a ausência de padronização e clareza técnica impacta diretamente a performance.
Já testemunhamos canteiros onde a ausência de um projeto executivo consolidado comprometeu o dimensionamento da infraestrutura. Ou onde a falta de integração entre instaladores e projetistas gerou dezenas de interferências de obra, todas evitáveis.
A solução não está apenas em “contratar mais rápido”, mas em reestruturar a lógica de obra para que o conhecimento técnico se torne permanente e o capital humano seja bem aproveitado.
5. A profissionalização da obra como resposta sustentável
Experiências que vêm sendo aplicadas nos últimos anos mostram que obras com processos padronizados, modelagem BIM, cronograma integrado e fluxos compatibilizados demandam menos retrabalho, menos esforço humano e entregam mais no mesmo tempo.
Essa não é uma teoria. É prática de campo. Onde há projeto executivo bem definido, planejamento de instalações, integração de sistemas e documentação de processos, o uso da mão de obra é mais estratégico, o tempo é otimizado e a previsibilidade se impõe sobre o improviso.
6. Conclusão: eficiência não se improvisa. Se projeta.
O futuro da construção brasileira não será sustentável se continuar dependendo apenas do esforço humano em obras sem método. A escassez de profissionais é real, mas ela é sintoma. O problema central está no modelo que ainda tolera o retrabalho, normaliza o desalinhamento entre projeto e execução e prioriza a entrega no prazo em detrimento da qualidade técnica.
Transformar esse cenário não é só uma escolha gerencial. É uma decisão estratégica. E cada empresa que decide investir em processos, integração e engenharia aplicada está ajudando a construir não só obras melhores, mas um setor mais robusto e preparado para os próximos anos.